quinta-feira, março 11, 2010

O Zé Pequeno - Ponte da Mucela

Há cerca de 60 anos e com menos de metro e meio de altura "aterrou" na Ponte da Mucela uma figura amável, simpática e solícita que vindo da Beira Alta, desde logo ficou assim apelidado de Zé Pequeno. Já não era criança. Na época, a Ponde de Mucela era muito mais movimentada: não havia os IPs - que obrigava a maior parte do trânsito do Norte a usar a famosa estrada da Beira - já tinha uma bomba de gasolina, telefone público - único entre S. Martinho da Cortiça e Vila Nova de Poiares - automóvel de aluguer e duas camionetas de carga, três fornos de cal, padaria, fábrica de resina, estalagem, taberna, mercearia, moenda, lagar e dois carreiros (dois carros de bois). As camionetas da carreira - assim se chamavam os transportes públicos de então faziam ali paragem obrigatória para reabastecimento dos passageiros - ainda hoje são recordadas as sandes de vitela assada - carga e descarga para as redondezas especialmente passageiros destinados às três bruxas que então havia nos arredores. De tudo isto restam um telefone público uma moenda e um café!
Entretanto foram criados um antiquário, uma empresa de construção e uma oficina auto, estando a ser revitalizada a união da Ponte de Mucela, pessoa colectiva de utilidade Pública, há anos paralisada.
O industrial e comerciante José Serra Campos deu a Zé Pequeno alojamento no anexo de um dos seus fornos da cal.
O bom do Zé Pequeno facilmente se acomodou e recados não lhe faltavam, especialmente por vias das chamadas telefónicas com aviso prévio, alertando os destinatários das redondezas para as horas que deviam comparecer, bem como para as três bruxas "clínicas", recolhendo assim fundos para subsistir, indo a maior parte dos mesmos para o vinho.
Desde os tempos das diligências a Ponte da Mucela tinha várias cocheiras (já que ali era local de muda de gado e reabastecimento) que eram disponibilizados a troco do estrume das bestas para fertilização das terras. Grande parte do transporte de mercadorias ainda era feito por galeras e carroças que ali pernoitavam. Chegavam pela tardinha, arrumavam, dessedentavam o gado no rio, traziam-no para as manjedoiras, para o repasto e descanso. Os carroceiros dormiam por lá, nas cocheiras em tempo de frio ou nas carroças em tempo de quente, e por lá comiam os farnéis que traziam consigo, por vezes com um reforço de uma sopinha comida na estalagem. Também por lá transitavam enormes rebanhos que fugindo os rigor do Inverno na Serra da Estrela, ficavam do Outono à Primavera, sendo muito bem recebidos porque além de limaprem a erva, também fertelizavam os terrenos especialmente as ínsuas, para posterior sementeira.
O Zé Pequeno era pessoa de inteira confiança, excepto se tivesse vinho à mão: ai bebia até poder e a partir de então passava a dar vivas à república e ao socialismo (estávamos em plena ditadura), independente de quem estava presente, nunca tendo sido incomodado, apesar de então serem proibidas tais manifestações! Chamado à atenção respondia invariavelmente: vossas "inxelências" já sabem o meu fraco!
Em consequências de muitas pielas deu muitos trambolhões. O mais notado segui-se a uma soneca que o Zé Pequeno resolveu fazer em frente ao muro do café, ao virar-se, julgando-se na palhota, caiu para a calçada, e aqueles dois ou três metros deixaram-no em mísero estado.
Certo dia, o Zé Pequeno andava com uma daquelas habituais bebedeiras incomodando toda a gente, e foi corrido pela estrada acima, indo pernoitar a uma cocheira do também conceituado marinheiro (de seu nome António Joaquim Coimbra) tendo dado origem a um enorme incêndio, com consequências bem desagradáveis. Por vezes tinha maleitas, e as pessoas diziam-lhe que não tinha juízo, e que mais tarde ou mais cedo "embarcava". E ele lá se recompunha - mais copo menos copo - e sempre dizia:
"Eu morro no mesmo dia do Sr. José Serra", que muito estimava. E assim foi morreram os dois no mesmo dia.

Texto do Plim,
retirado da Comarca de Arganil

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3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Parabens pelo post aqui colocado sobre o Ze Pequeno. Realmente é de muita qualidade o tema e a recolha cuidada que tiveram na Comarca de Arganil sobre tal personalidade que era conhecida na Ponte e na Moura Morta. Só os mais velhos poderão ter imagens e lembranças dessas pessoas. Ha duas figuras que poderiam aqui ser lembradas pelas figuras e a epoca que representavam. O Ti Constantino do Cardal e o Julinho Moleiro que era uma figura apadrinhada pelo Dr. Juiz Jaime Serra do Outeiro.

12:33:00  
Anonymous Anónimo said...

Parabens ao blogger por este texto muito bom apesar de não ser nascido ainda muitas histórias ouvia meu avô falarsobre esses assuntos pois ainda conviveu com esses personagense fez parte dessas andanças com o carro de Bois dias e dias na pequenas estradas até a Beira e qt a lembrar sobre o Ti Constantino e ti Julio realmente seria um otimo tema para um dia destes espero que o Blogger corra atrás desses assuntos muito gostaria de os Ler.

11:42:00  
Anonymous Anónimo said...

Um optimo artigo, será que irá haver mais como este?
Espero que sim, pois ha muitas e muitas historias de bom humor, passadas e "apadrihadas" por pessoas (personagens) dessas duas Aldeias maravilhosas, onde eu tive o prazer de passar muitas ferias e fins de semana.
Sou de uma geraçao (anos80)completamente diferente da falada e até na minha geraçao houve historias girissimas!
Parabens.
Tenho dito.

21:36:00  

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