Afinal tudo correu mal....
Se por vezes nos tentam convencer que a eterna questão da propriedade é a chave, hoje acho que há outro factor tão ou mais grave. O que está a desenhar-se no horizonte é uma combinação de dois factores explosivos – a reflorestação com algumas espécies de árvores e a ruptura da protecção civil, a má gestão pública dos recursos humanos especializados, numa palavra, a erosão do Estado Social.
Ao ouvir o testemunho de uma senhora humilde que foi desviada para a Estrada 236 pela GNR, ela conta-o sem mágoa ou dedo acusatório. Noutro, um inglês, jornalista que ali vive, diz que lhe aconteceu o mesmo, não compreende, foi para ali porque a GNR o desviou naquele sentido. Compreendem a gravidade?
A GNR não só não terá cortado as estradas que já ardiam, como alguém desviou para lá as pessoas, é isto que as testemunhas estão a dizer nos jornais hoje publicados.
Ninguém em seu juízo perfeito dirá, se isto for verdade, outra coisa que não seja a GNR estava tão desorientada e ignorante do que se passava naquela estrada como os civis. A GNR não só não terá cortado as estradas que já ardiam, como alguém desviou para lá as pessoas, é isto que as testemunhas estão a dizer nos jornais hoje publicados.
Não havia planos de evacuação, refúgios, conhecimento de ventos. Podia até ser um operacional especializado em trânsito, sem qualquer saber de florestas.
Há mais, há 135 feridos, para já. Afinal há dezenas de pessoas que estiveram nessa estrada da morte, se queimaram e conseguiram sair com vida. E as que não ficaram feridas e conseguiram escapar entre as chamas e os acidentes – dezenas. Portanto podiam ter sido centenas os mortos nessas estradas. Os testemunhos das pessoas num tanque 8 horas à espera de auxílio. As dezenas de relatos, em que as pessoas dão nome e cara a quem queira escutá-los, em que esperaram por bombeiros e médicos 6, 8, 10 horas; são dezenas de aldeias isoladas – não são idosos que resolveram viver num ermo, são famílias inteiras com tudo destruído, às centenas.
As pessoas entraram em pânico e fugiram? Há muitas que dizem isso, fugiram, não sabem para onde e como, outras que dizem que foram para ali orientadas, outras que não fugiram e morreram à espera de ajuda dentro de casa.
Sabem porque gastamos milhões de euros a construir uma via nas autoestradas que não é usada? – a via de paragem. Para um acidente. Uma excepção. Imobilizamos capital para um azar, “desperdiçamos” tempo e dinheiro em algo que raramente é usado, mas que salva vidas. É por isso que temos que ter guardas florestais. Porque temos médicos de prevenção no INEM parados parte do tempo. Porque temos bombeiros especializados em fogos que parte do ano estão parads. Porque nem tudo é rentável na vida, a vida aliás não tem a rentabilidade de uma arvore, a eficiência de um gestor público nem a rotatividade dos juros.
A vida é um direito. Tudo correu mal.
(Excertos de artigo de R. Varela)
Etiquetas: Fogos Florestais
5 Comments:
A investigadora Raquel Varela continua a arrasar responsaveis pelos Bombeiros.
è de ver este link.
Desta vez foi Jaime M. Soares
https://raquelcardeiravarela.wordpress.com/2017/06/20/a-economia-politica-dos-fogos/
...é porque é que o Presidente da Liga dos Bombeiros, que disse as coisas mais irresponsáveis e panfletárias que alguém pode dizer nesta situação foi entrevistado 100 vezes mais do que os especialistas em fogos florestais com 60 anos de trabalho acumulado.
Quero recordar-vos que Jaime Marta Soares em cima de um fogo fora de controlo a meio da noite deu declarações em directo aos jornalistas a dizer que “tinha os meios necessários” e que as pessoas quando foram para aquela estrada certamente pensavam que o fogo estava a kms e «inadvertidamente, olhando a distância a que estaria o fogo» – contínuo a citar – não tiveram “a serenidade, o sangue frio, para fugir a essa situação”. Hoje sabe-se que as pessoas estavam a fugir não de um fogo a kms mas das suas casas a arder, onde os bombeiros, dele, não conseguiram sequer chegar.
.... ele fez o balanço da sua actuação em directo, qual presidente do clube de futebol local. Tem sido juiz em causa própria – não há em Portugal uma entidade independente que fiscalize a sua actuação, mas nem era preciso porque ele em directo, no local, no meio da catástrofe fez análises, tirou conclusões, e os jornalistas publicaram-nas. É o mesmo que eu dar nota 20 aos meus alunos sem ter olhado sequer para as teses.
Esta passagem de M.S. a Deus é certamente influenciada pela ideia de que bombeiros não são políticos, ainda que o cargo de M.S. seja esse – presidente de uma Liga de Corporações que eu não faço ideia (os jornalistas fazem?) como funciona, quem representa, quem votou nele, se é por voto, nada. M.S. foi o homem que anunciou ao país, também na hora – contra a opinião dos meteorologistas e silvicultores, com cargos e doutoramentos – que tudo aconteceu por uma situação “inédita e imprevisível”. A tal que todos, sem excepção, que trabalham na área previram.
Estamos na mão de um dirigente de colectividades que do alto da sua sabedoria fez saber ao país, em directo, tudo o que tinha acontecido, ainda estava a acontecer. E nada aconteceu como disse.
Há uma economia do fogo – tantos o disseram e bem. Mas o que significa isso? Significa que o dinheiro é canalizado para o combate e não para a prevenção. Muitos o escreveram já. Mas o que significa isto realmente? Significa que se o nosso dinheiro de impostos é gasto na prevenção em guardas florestais esse dinheiro é usado em salário, força de trabalho, não tem, para além do consumo do trabalhador (casa, comida, roupa) nenhum impacto na economia que implique produção de lucro. Ele vai trabalhar com o cérebro e os olhos e uns binóculos. Mas são precisos muitos, ou alguns, espalhados. Mas, se o dinheiro é gasto no combate ele é massivamente usado em compra de carros de combate, equipamentos/roupas complexos, aviões, importações – adivinho alemãs – e ao que parece 500 milhões para um sistema de comunicações…que falhou.
A Marta Soares lamento mas do que assisti nestes dias não tenho palavra alguma de alento para lhe dar – num país a sério já estava demitido. Como estamos numa nação em decadência está ao lado da Ministra a dar conferências de imprensa, a tal ponto que às vezes me pergunto se a Ministra é que é assessora de Marta Soares.
O presidente da Liga dos Bombeiros, Jaime Marta Soares, acredita que o incêndio que deflagrou no sábado em Pedrógão Grande teve "mão criminosa". Marta Soares recorda, numa entrevista, que o fogo já estaria ativo duas horas antes da altura em que ocorreu a trovoada seca e garante que a Liga vai exigir saber o que aconteceu neste caso.
Marta Soares reitera a opinião de que terá havido "fogo posto" no incêndio que matou 64 pessoas. PJ vai chamar presidente da Liga dos Bombeiros para explicar suspeitas
A Polícia Judiciária vai chamar o presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP) para que forneça todos os elementos de que dispõe sobre as suspeitas de origem criminosa do incêndio de Pedrogão Grande. Fonte oficial da PJ disse à agência Lusa que Jaime Marta Soares vai ser chamado para que, "em sede própria e com a maior brevidade possível, forneça todos os elementos de que dispõe". Contactado pela Lusa, o presidente da LBP afirmou que suspeita que o incêndio que deflagrou no sábado em Pedrógão Grande tenha tido "origem criminosa". No domingo, o diretor nacional da PJ afirmou que o incêndio em Pedrógão Grande teve origem numa trovoada seca, afastando qualquer indício de origem criminosa.
Ler mais em: http://www.cmjornal.pt/portugal/detalhe/presidente-da-liga-dos-bombeiros-diz-que-incendio-teve-mao-criminosa?ref=Portugal_BlocoTopoPagina
Vamos imaginar que há um rio poluído da nascente à foz. Vamos depois imaginar que se forma um “dispositivo” de “combate à poluição” apenas e só na foz.
É ridículo.
Este ridículo porém está na base do dispositivo que se montou em Portugal contra os fogos.
Quanto se lê a fundo sobre o assunto e quando se anda pelo país real, fica-se com esta impressão macabra:
Todas as vilas e cidades têm bonitos quartéis de bombeiros voluntários, mas o país não tem um sistema de prevenção que trabalhe de janeiro a dezembro, desmatando e queimando de forma controlada;
não há um sistema com pastores de ovelhas e cabras (os maiores bombeiros) e com máquinas e tratores para abrir corredores antifogo.
Os perímetros de segurança nunca são respeitados. Não se fala apenas de vilas ou aldeias.
Na terra queimada, abrir de imediato estradões circulares às aldeias definindo e criando já os perimetros de proteção. Depois que venham as tais leis sobre o ordenamento da floresta. Coisa para umas duas gerações
In DC de 22/6 de Carlos Ecarnação
O MEU ABRAÇO
Não sou, nem podia ser, diferente dos outros em sensibilidade.
Fiquei chocadíssimo com o que aconteceu em Pedrógão Grande e Castanheira de Pera.
Deixei passar os dias e não escrevi de imediato com medo de que o meu contributo servisse, apenas, para engrossar o muro das lamentações.
Tento, hoje, abordar o problema de outra forma, partindo da constatação da evolução histórica e da fixação numa proposta de futuro.
No fundo, o que mais me impressiona é como o País evoluiu, se transformou e como a injustiça tomou conta de uma boa parte da administração dos portugueses.
Desde o grande êxodo rural, alimentado pela emigração e pelo abandono da actividade primária, que o país se foi desertificando.
A atracção das grandes metrópoles fez o resto.
A zona em que aconteceu este incêndio não é diferente de muitas outras em que as tragédias se têm multiplicado.
Eu sei que os especialistas buscam as origens dos incêndios no coberto florestal e na sua irracionalidade, na predominância das espécies que não interessam e na necessidade de mudar as políticas praticadas.
E também sei que a protecção civil está longe de corresponder a uma resposta ideal em termos organizativos.
Mas o que eu também não posso ignorar é como vivem os portugueses nessas zonas abandonadas do país, quem nela vive, que recursos têm, como o Estado os vê, que oportunidades se lhes abrem, que futuro adivinham, como se lhes pode aplicar a lei e como a podem cumprir.
A segurança de todos exige que a floresta tenha regras. Que limpem as matas. Que cuidem do que é seu.
Pergunto-me como pode um casal de octogenários, com pensões de miséria, detentores de alguns metros quadrados do terreno que lhes coube em partilhas, distribuído em leiras aqui e ali, e uma casa em degradação, cumprir a lei.
E, infelizmente, são estes os habitantes tipo deste Portugal esquecido.
Desgraçadamente nem gente há para combater um incêndio, porque não existem, ou porque não tem saúde ou porque nem sequer forças têm.
Sendo, por outro lado, a propriedade rural de pequeníssima dimensão, como se pode criar, individualmente, uma unidade de exploração florestal, ou agrícola, ou pecuária rentável?
Sem elas, o destino dessas terras é o da desgraça permanente.
Quem ali vive não tem alternativa mas paga impostos, caminha quilómetros para ter assistência médica, contribui para a recuperação dos bancos e o único com que pode contar é o da lareira, é teoricamente igual a todos perante a lei e sofre a exclusão dos bens do progresso na mais aviltante desigualdade e esquecimento.
Hoje, nas imagens da televisão, sabe-se que existem e como existem, o que não têm, ao nada que estão reduzidos os seus haveres.
Ora, um país que se preza não pode ser isto.
CARLOS ENCARNAÇÃO
DC de 22/6 de Carlos Encarnação
Todos sabemos que sem a intervenção do Estado ou das Câmaras Municipais não há sucesso possível na criação das unidades de exploração florestal. Que é possível fazer acrescer a parte de cada um, com respeito por ela, ao todo de todos.
E todos devemos saber que sem a fixação de actividades e serviços e capacidades não há território equilibrado.
Se o não fizer, o Estado abdica de uma parte significativa do território. Recusa-o. Abandona-o. Reconhece que não existe.
Não chega, definitivamente não chega, que aviões ou helicópteros e colunas de bombeiros esforçados, de quando em vez, em caso de força maior, descubram o país que o Estado quer que não exista acompanhados por um cortejo de jornalistas que no dia a dia o ignoram. Essa é uma condenação, não uma saída.
Lisboa e Porto, esquecida Coimbra, lutarão pela Agência Europeia do Medicamento. Ali, a luta é pelo acesso aos medicamentos. E não é simples jogo de palavras. É pura e simples crueldade.
O país todo, perante a dimensão da catástrofe e a evidência do erro, só tem uma resposta digna a formular.
E essa resposta é tomar em mãos esta zona e fazer da resposta a dar, nela, um exemplo de recuperação, de restauração da dignidade, de afirmação da unidade do país, de traçar o esboço de um amanhã diferente.
No simbolismo dos actos de Presidente da República, basta que os partidos e o governo e os outros se unam num abraço.
É a hora!
CARLOS ENCARNAÇÃO
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