QUERIA SER SELVAGEM
O dia 28 de Novembro de 1953, o sol acabara de nascer.
Os melros, as cotovias, as rolas e os pardais chilreavam, ao mesmo tempo que se ouvia o rodar das rodas, das carroças puxadas pelas juntas de bois, no piso das ruas, construído de calhau trazido do leito do rio Alva.
Era dia de feira, na freguesia de São Pedro de Alva, uma Vila da comarca de Penacova.
Na pequena povoação do Beco, pertencente a esta freguesia, por volta das seis horas dessa manhã, acabara de nascer mais um filho a Sr.ª Maria Trindade. O marido, Antero M. Sousa, levantara-se de noite para ir à povoação da Ribeira chamar a sogra para ajudar no parto, e o filho ali nascera, na sua humilde casinha, com a ajuda da sua avó Encarnação, mulher de Joaquim de Oliveira, conhecido na freguesia, por Joaquim da Lapa, moleiro de profissão, residente no lugar da Ribeira.
Na aldeia a notícia corria de boca em boca:
“-Bom dia Aurora, já sabes da notícia? A Trindade já lá tem um rapazito…o pai lá queria e ele lá veio”.
Era o terceiro filho que lhe nascera, porém o primeiro rapaz. O segundo, uma rapariga, morrera com poucos meses, num trágico acidente por um descuido da mãe, mas mesmo tratando-se de um trágico e lamentável acidente, não é dele que vou falar, mas sim, um pouco da minha vida.
Aos nove meses comecei a dar os primeiros passos. Era uma criança cheia de vitalidade, corria para todos os lados, segundo dizem.
O meu pai até arranjou um banco na bicicleta para me levar com ele ao Domingo, a São Pedro de Alva. Todos admiravam o menino que caminhava ao lado do pai, com um ano e meio parecendo já um rapazito, apesar da tenra idade.
Porém, um dia, em Setembro, com apenas vinte e dois meses, fui apanhado por uma paralisia infantil, hoje, clinicamente conhecida por “poliomielite”, e nunca mais andei. Fiquei atrofiado dos músculos e raquítico.
Os anos foram passando e quase com oito anos fui para a escola. Nesta altura era transportado numa cadeira de rodas que me fora oferecida. Era uma cadeira, com rodas grandes, idênticas às de uma bicicleta, tanto à frente como atrás, bem à moda dos anos 50.
Era empurrado pela minha irmã Palmira, quatro anos mais velha, e pelos meus colegas. Brincava com os miúdos da minha idade arrastando-me com o rabo pelo chão. De tarde ficava sentado nos degraus de uma velha casinha, que ficava no largo da Republica.
Enquanto isso, os meus amigos brincavam ao pião, corriam atrás de um arco ou faziam moinhos de junco e barquitos de papel que colocavam na água, que corria em abundância, pelas bermas da estrada e nas valetas abertas ao longo do tempo, pelo passar das carroças de bois.
No dia 6 de Janeiro, estes e outros, já com idades compreendidas entre os 17 e os 20 anos, levavam-me com eles, a cantar e a tocar as Janeiras, de porta em porta. Lá vinham os donos da casa que, ao ouvir-nos cantar, davam-nos aqui uma broa, ali um chouriço, mais adiante uns ovos, umas cebolas e até o vinhito, e assim se ia enchendo o saco e a aldeia em alegria com o cantar das Janeiras. Ao fim da tarde desse mesmo dia, quando estávamos todos juntos na eira do povo, acendia-se uma fogueira punha-se uma sertã em cima de umas trempes e lá se fritavam os ovos com o chouriço e a cebola picada. Enquanto comíamos, tocavam e cantavam à volta da fogueira.
O meu pai emigrou para Angola quando eu tinha cinco anos, deixando em Portugal a minha mãe com quatro filhos. Para nos governar, andava todo o dia fora, a trabalhar na agricultura por conta de outrem.
Já no final de Dezembro de 1961, quando estava no início da segunda classe, (segundo ano), sai da escola e, nesse mesmo ano, abandonámos a aldeia que um dia me viu nascer.
Entrámos no comboio, em Coimbra, rumo a Lisboa. Para trás ficavam os meus amigos e a minha aldeia, perdida nas montanhas da Beira Litoral.
Ao chegarmos a Lisboa ficámos encantados com tudo o que víamos: os monumentos, as estátuas, os eléctricos os grandes barcos (paquetes) e a grande obra do governo de Salazar, a Ponte de Salazar.
Embarcámos num grande navio, “o Vera Cruz”, e lá seguimos, sobre as águas do Atlântico durante 10 dias, rumo a Angola.
http://queriaserselvagem.blogspot.com/
Os melros, as cotovias, as rolas e os pardais chilreavam, ao mesmo tempo que se ouvia o rodar das rodas, das carroças puxadas pelas juntas de bois, no piso das ruas, construído de calhau trazido do leito do rio Alva.
Era dia de feira, na freguesia de São Pedro de Alva, uma Vila da comarca de Penacova.
Na pequena povoação do Beco, pertencente a esta freguesia, por volta das seis horas dessa manhã, acabara de nascer mais um filho a Sr.ª Maria Trindade. O marido, Antero M. Sousa, levantara-se de noite para ir à povoação da Ribeira chamar a sogra para ajudar no parto, e o filho ali nascera, na sua humilde casinha, com a ajuda da sua avó Encarnação, mulher de Joaquim de Oliveira, conhecido na freguesia, por Joaquim da Lapa, moleiro de profissão, residente no lugar da Ribeira.
Na aldeia a notícia corria de boca em boca:
“-Bom dia Aurora, já sabes da notícia? A Trindade já lá tem um rapazito…o pai lá queria e ele lá veio”.
Era o terceiro filho que lhe nascera, porém o primeiro rapaz. O segundo, uma rapariga, morrera com poucos meses, num trágico acidente por um descuido da mãe, mas mesmo tratando-se de um trágico e lamentável acidente, não é dele que vou falar, mas sim, um pouco da minha vida.
Aos nove meses comecei a dar os primeiros passos. Era uma criança cheia de vitalidade, corria para todos os lados, segundo dizem.
O meu pai até arranjou um banco na bicicleta para me levar com ele ao Domingo, a São Pedro de Alva. Todos admiravam o menino que caminhava ao lado do pai, com um ano e meio parecendo já um rapazito, apesar da tenra idade.
Porém, um dia, em Setembro, com apenas vinte e dois meses, fui apanhado por uma paralisia infantil, hoje, clinicamente conhecida por “poliomielite”, e nunca mais andei. Fiquei atrofiado dos músculos e raquítico.
Os anos foram passando e quase com oito anos fui para a escola. Nesta altura era transportado numa cadeira de rodas que me fora oferecida. Era uma cadeira, com rodas grandes, idênticas às de uma bicicleta, tanto à frente como atrás, bem à moda dos anos 50.
Era empurrado pela minha irmã Palmira, quatro anos mais velha, e pelos meus colegas. Brincava com os miúdos da minha idade arrastando-me com o rabo pelo chão. De tarde ficava sentado nos degraus de uma velha casinha, que ficava no largo da Republica.
Enquanto isso, os meus amigos brincavam ao pião, corriam atrás de um arco ou faziam moinhos de junco e barquitos de papel que colocavam na água, que corria em abundância, pelas bermas da estrada e nas valetas abertas ao longo do tempo, pelo passar das carroças de bois.
No dia 6 de Janeiro, estes e outros, já com idades compreendidas entre os 17 e os 20 anos, levavam-me com eles, a cantar e a tocar as Janeiras, de porta em porta. Lá vinham os donos da casa que, ao ouvir-nos cantar, davam-nos aqui uma broa, ali um chouriço, mais adiante uns ovos, umas cebolas e até o vinhito, e assim se ia enchendo o saco e a aldeia em alegria com o cantar das Janeiras. Ao fim da tarde desse mesmo dia, quando estávamos todos juntos na eira do povo, acendia-se uma fogueira punha-se uma sertã em cima de umas trempes e lá se fritavam os ovos com o chouriço e a cebola picada. Enquanto comíamos, tocavam e cantavam à volta da fogueira.
O meu pai emigrou para Angola quando eu tinha cinco anos, deixando em Portugal a minha mãe com quatro filhos. Para nos governar, andava todo o dia fora, a trabalhar na agricultura por conta de outrem.
Já no final de Dezembro de 1961, quando estava no início da segunda classe, (segundo ano), sai da escola e, nesse mesmo ano, abandonámos a aldeia que um dia me viu nascer.
Entrámos no comboio, em Coimbra, rumo a Lisboa. Para trás ficavam os meus amigos e a minha aldeia, perdida nas montanhas da Beira Litoral.
Ao chegarmos a Lisboa ficámos encantados com tudo o que víamos: os monumentos, as estátuas, os eléctricos os grandes barcos (paquetes) e a grande obra do governo de Salazar, a Ponte de Salazar.
Embarcámos num grande navio, “o Vera Cruz”, e lá seguimos, sobre as águas do Atlântico durante 10 dias, rumo a Angola.
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