terça-feira, setembro 04, 2007

Miguel Torga

. . . De cima da sua fraga primária, espelha-se nas águas claras do Alva, do Mondego ou do Zêzere, três rios que lhe sulcam a alma de frescura, lirismo e persistência, e vê-se de rosto sereno, vagamente irónico e malicioso, pronto a ir governar a nação, indiferente ao riso desconfiado do Minho, ao ar carrancudo de Trás-os-Montes, à nostalgia alentejana e à reservada mudez algarvia.

Não é o brilho que o impõe, nem a honradez, nem a inteligência, nem outras qualidades que o português não tenha. É uma obstinação de caruncho, muda, modesta, inflexível, incapaz da piedade de ceder ao seu próprio cansaço. Mas essa teimosia dá-lhe o triunfo e a convicção de que só ele pode e deve conduzir os destinos da pátria inteira. Sem o dizer, sem o afirmar, o beirão sente-se dono de Portugal. (…)

Mas o beirão mais castiço e simpático não é esse ambicioso de poder e mando (…)É o que fica agarrado às berças, sepultado nos abismos do seu Piódão neolítico, e que todos os anos sobe ao Colcorinho para cantar na Senhora das Necessidades a canção do seu destino, íngreme como as encostas onde cultiva a esperança.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Não se esqueçam que Miguel Torga foi medico durante muitos anos em Arganil.
Conheceu bem as gentes das nossas terras e as nossas ruralidades.

10:22:00  

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