Rituais da morte e o luto no traje
De todos os mistérios de vida dois são certos,
o nascimento e a morte. Se o primeiro é encarado com alegria e regozijo, o
segundo é trágico e triste, muito embora a doutrina cristã defenda ressurreição
da alma.
Por ser um assunto difícil de abordar na
nossa sociedade, os trajes de luto e os rituais da morte raramente são
representados pelos grupos etnográficos e folclóricos.
Não querendo ser extenso nesta matéria,
procurei alguns apontamentos etnográficos que caracterizassem estes momentos da
vivência de qualquer pessoa.
Os rituais fúnebres, além de possibilitarem
contactos afetivos e de conforto entre parentes, apresentam simbologias que
pretendem concretizar o ocorrido.
O preto era a cor do luto e quer homens, mulheres
ou crianças, despojavam-se das demonstrações exteriores alegria, havendo uma
enorme preocupação em cumprir o luto devido por morte de um familiar. No caso
de pais ou filhos eram de 18 meses a 2 anos, de um irmão 1 ano, avós 8 meses e
tios 3 meses.
Se havia um casamento marcado adiava-se, a
matança não era feita, não havia festas até passar o tempo de luto fechado,
depois começava-se a aliviar o luto até aos 2 anos.
O anúncio da morte de alguém era feito pelo
toque do sino da igreja (o chamado “dobrar” que ainda hoje assim se faz em
algumas regiões) e depressa passava de boca-em-boca o nome do falecido.
Os defuntos não iam para a igreja, eram
velados em casa. A casa era desprovida de quaisquer elementos decorativos e até
o relógio era levado para casa de uma vizinha para não se ouvir o barulho do
pêndulo. A casa era despojada de móveis e a vizinhança emprestava as cadeiras. Em
algumas aldeias a água que havia nos cântaros era deitada fora e também se
tiravam os enchidos que estavam na chaminé.
O corpo era arranjado, vestido com a melhor
roupa, muitas vezes já previamente predestinada (o fato da mortalha), e ficava
em cima da cama, até que no dia seguinte era enrolado numa colcha, metido no
caixão e saíam com ele a pé para o cemitério. Junto à cama era colocado um copo
ou uma taça, com um raminho, com o qual se aspergia o morto.
Carpideiras no funeral de Juan Lara" - 1951 - Cáceres - W.Eugene Smith |
Com grandes prantos, fazendo elogios ao
falecido e maldizendo a sorte carpidava-se o morto demonstrando a dor da família
enlutada, tarefa relegada para os elementos femininos da família, ou “contratavam-se”
carpideiras para demonstrar que o falecido era muito querido.
Se era uma criança (os anjinhos ou injinhos), o corpo era colocado numa
urna branca e levado ao cemitério por crianças mais velhas. Se era uma rapariga
donzela, vestiam-na de noiva com uma grinalda.
Depois do funeral era a vizinhança que
cozinhava para a família enlutada e que ajudavam na limpeza e arrumação da
casa. No Alentejo a casa não era caiada, nem nessa altura, nem durante o tempo
do luto.
Durante todo o tempo de luto fechado os
amigos e a vizinhança mais próxima repartiam o que havia com a família enlutada,
respeitando a infelicidade e ajudando uns aos outros.
No que respeita à missa de 7º dia, está relacionada
com a tradição católica e às referências na Bíblia ao luto de 7 dias:
·
O luto de Jacó durou 7 dias (Gn 50,10)
·
Saul foi enterrado e fizeram um jejum de 7
dias (1Sm 31,13)
·
O povo chorou a morte de Judite durante 7
dias (Jt 16,24)
·
O luto por um morto dura 7 dias (Eclo 22,11)
O
Luto no Trajo
Viúva - Rancho Folc. Casa do Povo da Glória do Ribatejo |
Em Portugal os rituais da morte entre os
finais do sec.XIX e início do sec.XX têm origens muito antigas e diversas influências
culturais, resultando num protocolo rígido na representação da dor da
família enlutada perante a sociedade
Na tradição popular portuguesa o luto era
profundamente vivido e socialmente controlado. Essa vivência fazia com que fossem colocados de lado os trajos mais
vistosos, muitas vezes para o resto da vida, como aconteceu com o traje de
branqueta da Póvoa do Varzim após o naufrágio de 1892, que enlutou a maioria
das famílias dessa região, apenas sendo ressuscitado em 1936 por Santos Graça.
Pormenores
do luto no trajo feminino:
Por morte de um
parente, as mulheres vestiam-se de preto e quase tapavam o rosto, sendo
socialmente apontadas ou marginalisadas aquelas que não o fizessem. Era sinal de
respeito quase religioso.
Retrato de camponesa, sec.XX, Museu de Arte Popular, Instituto dos Museus e da Conservação, I.P. / Ministério da Cultura |
A mulher cobre a cabeça com o
mais singelo dos lenços negros e as capas, saias de costas, xailes e biucos
criam um “casulo” interiorizando a dor e isolando-a do mundo que a rodeia de forma a se tornar invisivel à sociedade.
No Alentejo e Algarve a mulher não tirava o
lenço da cabeça nem o xaile das costas. Mesmo no trabalho do campo, de Verão ou
Inverno, as mulheres usavam grandes xailes em bico, meias, lenço e chapéu.
No Minho surge o Traje Escuro ou Dó em sinal de luto ou quando um parente partia para o
estrangeiro. Usado para simbolizar dor pela separação, motivada por ausência
temporária ou mesmo definitiva de um parente. Na verdade, a diferença marcante
dos demais trajes, deve-se a tonalidade que no caso presente e como não poderia
deixar de ser predomina a cor preta.
Na Póvoa do Varzim a mulher usava casaco e saia pretos, lenço preto na cabeça,
embiocado, e uma saia de costas, também preta, muito semelhante à saia de
vestir, com pregas miúdas junto à cintura, embora mais curta e com menos roda.
Colocada sobre a cabeça, envolve o corpo até à cintura. O trajo de luto anulava praticamente a figura da
mulher. Como sinal de tristeza profunda, de renúncia ao conforto e
desprendimento dos bens materiais, esconde o rosto dos olhares intrusos e anda
descalça.
"Mulher da Nazaré", Artur Pastor |
Também na Nazaré a capa,
colocada sobre a cabeça, esconde a cara da mulher e o seu sofrimento, nesta
altura chapéu perde o tradicional pom-pom de lã.
No que se refere às joias,
durante o luto fechado apenas utilizavam os brincos, aos quais eram cozidos uns
paninhos pretos para disfarçar o brilho do ouro, ou então, para quem tinha essa
possibilidade, usava brincos com pedras escuras: azeviche, granada,
hematita, e ônix.
Em Portugal, no concelho da Batalha, nas
minas de Alcanadas (Barrojeiras e de Chão Preto), até ao início do século XX,
era extraído o azeviche utilizado na realização de jóias usadas durante os
períodos de luto da família pela Família Real Portuguesa. Também era extraido azeviche em Peniche.
Pormenores
do luto no trajo masculino:
No Alentejo e Algarve os homens andavam com a barba grande pelo menos durante 1 mês e não iam à taberna. Em algumas localidades usavam um lenço amarrado à cabeça por debaixo do boné ou do chapéu.
O uso do Gabão também era comum, sobretudo na Póvoa do Varzim e Nazaré. Este era feito de tecido de lã castanha (saragoça) com cabeção, capuz e mangas compridas.
Brincos de 1880 em azeviche.
Acervo do Metropolitan Museum
|
Aos homens eram impostas menos regras sociais
que ás mulheres, para além do resguardo do tempo de luto obrigatório.
Genericamente o homem também adoptava o fato
preto, ou da cor mais escura que tinha. Mesmo no trabalho passa a vestir-se integralmente
de preto.No Alentejo e Algarve os homens andavam com a barba grande pelo menos durante 1 mês e não iam à taberna. Em algumas localidades usavam um lenço amarrado à cabeça por debaixo do boné ou do chapéu.
O uso do Gabão também era comum, sobretudo na Póvoa do Varzim e Nazaré. Este era feito de tecido de lã castanha (saragoça) com cabeção, capuz e mangas compridas.
Nas frentes, carcela e bolsos metidos a costura era
pespontada a branco. Forro de branqueta. O capuz cobria não só a cabeça, mas
ocultava o próprio rosto, resguardando-o de olhares estranhos
Etiquetas: Morte e Luto
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