DO 28 DE SETEMBRO 1974 AO 25 DE NOVEMBRO DE 1975
PARA QUE OS MAIS NOVOS SAIBAM UM POUCO DESTE PERÍODO E QUE OS MAIS VELHOS NÂO O ESQUEÇAM!
- 28 DE SETEMBRO DE 1974
É a partir desta data que o Copcon (comando operacional do continente) "inicia a sua actividade como corporação policial", efectuando detenções, apreensões e bens e congelamento de contas bancárias. O 28 de Setembro constitui, assim, a data-chave em que verdadeiramente se inicia o ciclo da violência e da arbitrariedade, pelo abandono das finalidades revolucionárias de garantia de direItos e de criação de um Estado legal pela criação dum aparelho repressivo com poderes extremamente latos e indefinidos." Na noite de 28 de Setembro, depois de ter sido cancelada a manifestação da "maioria silenciosa", inicia-se uma acção que se irá prolongar por vários dias e na qual terão sido presas "à roda de 300" pessoas, sobretudo elementos ligados a manifestação, políticos do antigo regime e dos partidos e jornais situados à direita e elementos com destaque na vida financeira e social. As prisões foram feitas pelo Copcon mas também por "grupo civis ou pelo menos orientados por civis"
"Toda a actividade incriminatória subsequente ao 11 de Março é desenvolvida e organizada extra-judicialmente, numa deliberada e total confusão entre vontade política de poder e acção jurisdicional". Foram presos 144 militares e 39 civis, muitos deles enviados para o Forte Militar de Caxias. Isto além das prisões feitas em Beja e no Porto, onde os presos foram colocados na prisão de Custóias.
- 28 DE SETEMBRO DE 1974
É a partir desta data que o Copcon (comando operacional do continente) "inicia a sua actividade como corporação policial", efectuando detenções, apreensões e bens e congelamento de contas bancárias. O 28 de Setembro constitui, assim, a data-chave em que verdadeiramente se inicia o ciclo da violência e da arbitrariedade, pelo abandono das finalidades revolucionárias de garantia de direItos e de criação de um Estado legal pela criação dum aparelho repressivo com poderes extremamente latos e indefinidos." Na noite de 28 de Setembro, depois de ter sido cancelada a manifestação da "maioria silenciosa", inicia-se uma acção que se irá prolongar por vários dias e na qual terão sido presas "à roda de 300" pessoas, sobretudo elementos ligados a manifestação, políticos do antigo regime e dos partidos e jornais situados à direita e elementos com destaque na vida financeira e social. As prisões foram feitas pelo Copcon mas também por "grupo civis ou pelo menos orientados por civis"
"Toda a actividade incriminatória subsequente ao 11 de Março é desenvolvida e organizada extra-judicialmente, numa deliberada e total confusão entre vontade política de poder e acção jurisdicional". Foram presos 144 militares e 39 civis, muitos deles enviados para o Forte Militar de Caxias. Isto além das prisões feitas em Beja e no Porto, onde os presos foram colocados na prisão de Custóias.
- 11 DE MARÇO DE 1975
Portugal assistiu a uma «intentona» para pôr fim aos excessos revolucionários. Tropas pára-quedistas atacam o Regimento de Artilharia de Lisboa, mas são derrotadas pelo COPCON. Acontecem as nacionalizações e as prisões voltam a encher-se.
Paulo Tavares
Portugal estava ao rubro em Março de 1975. A «Revolução dos Cravos» tinha acontecido em Abril do ano anterior, pondo fim a um regime autofágico, e o regresso da liberdade punha a direita e a esquerda em rota de colisão. Na manhã desse já longínquo dia, e por instigação do então general Spínola, pára-quedistas de Tancos atacam o Regimento de Artilharia de Lisboa, bem como o aeroporto.
- 25 de NOVEMBRO DE 1975
Na sequência dos acontecimentos do 25 de Novembro, terão sido presos 160 indivíduos, dos quais 15 civis. Em comparação com o que ocorreu na sequência do 28 de Setembro e do 11 de Março, a comissão assinala alguns aspectos positivos: a presteza no início dos processos; a libertação progressiva dos presos; o cometimento à entidade adequada das averiguações para apuramento das responsabilidades individuais.
Os regimentos
no Regimento de Polícia Militar (RPM)
A comissão recolheu queixas de 17 pessoas sobre arbitrariedades cometidas por militares do RPM.
Um civil, preso em Outubro de 1975, por suspeita de ter colaborado na agressão ou tentativa de roubo a um furriel, queixa-se de "ter sido espancado ao longo de cinco dias, com o que lhe provocaram feridas diversas" e de "ter sido obrigado a dar duas voltas à parada, a rastejar, nu, a beijar as botas dos militares e o emblema do regimento". "Mais refere tentativas de sevícias sexuais, ameaças de morte com uma pistola e de lançamento por uma janela". A um militar, preso na mesma altura, por denúncia de uma prostituta que o acusava de ser chefe de uma quadrilha de ladrões, "ameaçaram-no de irem buscar o filho, de oito anos de idade, e de o agredirem na presença dele até confessar os crimes praticados". Os militares ouvidos sublinharam que "no RPM reinava um ambiente de generalizada indisciplina, mesmo anarquia". Um caso de tortura por espancamento resultou em internamento hospitalar por 14 dias, com perda de conhecimento durante dois dias.
Regimento de Artilharia de Lisboa (RALIS)
A Comissão recolheu queixas de 11 pessoas, que formam a parte mais brutal do relatório.
José Jaime Coelho, ex-fuzileiro, foi "sequestrado" a 15 de Maio de 1975 por vários militares do Ralis e um civil, tendo sido levado, de olhos vendados, para uma casa particular, no Restelo, onde "foi interrogado e maltratado". O interrogatório incidia sobre actividades relativas a um eventual golpe de Estado. "foi atado de pés e mãos, agredido por várias formas até ao ponto de desmaiar, sofreu tortura psíquica por saber que a sua mulher também estava presa, ouvir os seus gritos e assistir a actos indecorosos contra ela". Foi levado ainda para outra casa na zona de Sintra, onde "fizeram-lhe suportar nos olhos a incidência de raios infra-vermelhos", enfiaram-lhe um balde na cabeça, ameaçaram-no de morte e torturam-no em posição de estátua. Depois de ter passado pelos hospitais de Santa Maria e de Caxias, ficou preso em Caxias. Esteve três meses em regime de incomunicabilidade.
A sua mulher, Maria Natércia Coelho da Silva, foi levada do hotel onde estava, a 15 de Maio de 1975, por seis ou sete indivíduos de camuflado. Foi levada à presença do marido na casa do Restelo, amarraram-na de pés e mãos e deram-lhe comprimentos. "quando acordou tornaram-lhe a bater, durante toda a noite, não a deixando dormir; cerca das 11 horas do dia seguinte, deram-lhe a beber um líquido de cor branca, de sabor muito amargo e foi levada à presença do marido, o qual estava deitado sobre uma mesa, sem dar acordo de si, com os olhos negros a espumar, pela boca, um líquido negro; não se recordo do que lhe aconteceu a seguir, até cerca das 15 horas, altura em que um indivíduo a agarrou e levou de rastos para outro quarto tornando-lhe a bater; foi levada pouco depois para outra sala, onde ficou sozinha com outro indivíduo que a ameaçou, lhe bateu, a mordeu e a tentou violar (...) mais tarde apareceram duas raparigas que lhe bateram, a morderam e não permitiram que dormisse". A 17 de Maio foi levada para o Ralis e no dia seguinte conduzida para a estação de Santa Apolónia.
O alferes Marcelino da Mata "foi torturado com choques eléctricos nos ouvidos, sexo e nariz, de que resultou ter desmaiado".
O aspirante José António Cardoso Veloso e o seu pai, o juiz conselheiro do Supremo Tribunal Administrativo, Francisco José de Sousa Veloso, foram presos a 18 de Maio de 1975. Foram levados para o Ralis, onde o juiz "foi sujeito a interrogatórios e maus tratos e onde o seu filho foi torturado e seviciado". Pretendiam que confessassem fazer parte de uma "rede contra-revolucionária que preparava um golpe contra o regime". A descrição da tortura ao aspirante é feita pelo pai: "Voltado para a parede, com os braços ao alto, foi espancado com bofetadas, murros e chicotadas com cinturão, pontapés nas pernas e tornozelos, batimentos contra a parede, umas vezes com a cabeça outras com o corpo todo; foi obrigado a rastejar, fizeram-lhe torções de braços atrás das costas e pressões e apertões em pontos dolorosos; por duas ou três vezes simularam estrangulá-lo, apertando-lhe o pescoço com as mãos até não poder respirar e ficar cianusado; apontaram-lhe uma pistola à nuca e às têmporas; deitado de barriga para baixo, dobraram-lhe as pernas para trás na máxima extensão possível e ligaram-lhe com uma corda o pescoço, as mãos e os pés, ficando estes quase junto da nuca o que o obrigava a arquear o corpo e levantar a cabeça para não se estrangular a si próprio (...) foi picado com uma navalha em várias partes do corpo e apertaram-lhe violentamente os testículos com a mãos, duas ou três vezes".
A Comissão conclui que os sequestros de Coelho da Silva e mulher foram "levados a efeito por instigação de militantes do MRPP, civis e militares, os quais também nelas tomaram parte, denunciando Coelho da Silva como elemento do ELP [Exército de Libertação de Portugal] e empenhado em actividades clandestinas".
Algumas Conclusões
Foram praticados dois crimes de cárcere privado, acompanhados de tortura e violenta agressão física, imputáveis a civis e militares
· Houve centenas de prisões arbitrárias, sendo de destacar as efectuadas na sequência do 28 de Setembro e do 11 de Março e as desencadeadas, com cariz diferente, a partir do regimento de Polícia Militar
· Algumas dessas prisões resultaram de denúncias anónimas, outras de informação ou indicação de organizações partidárias ou sindicais e muitas de solicitações verbais, até telefónicas, designadamente do Gabinete do primeiro-ministro, do Ministério do Trabalho, do SDCI, do Serviço de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS e Legião Portuguesa, da comissão "ad hoc" para o 28 de Setembro, da comissão de inquérito ao 11 de Março, do gabinete do Almirante Rosa Coutinho.
· Em muitos casos não foram utilizados mandados de captura
· Os mandados de captura e de busca emitidos pelo COPCON eram, na generalidade, assinados em branco
· Houve casos de detenções por longos períodos de tempo sem que tivesse chegado a ser organizado qualquer processo, permanecendo os detidos em estado de completo abandono e esquecimento
· Muitos interrogatórios foram executados por militares sem preparação técnica ou mesmo por civis introduzidos por organizações políticas
· Houve tortura sistemática, exercida sobre quatro indivíduos, no Ralis, com agressão física violenta, que lhes provocou traumatismos diversos
· Houve outros caos de tortura física esporádica, designadamente no Regimento de Polícia Militar
· Houve muitos casos de maus tratos físicos exercidos sobre presos, que se traduziram em espancamentos, por vezes praticados por vários agressores actuando em simultâneo
· Foram exercidas sevícias sistemáticas sobre presos, com o fim de os humilhar e lhes infligir castigos corporais, traduzidos em agressões, rastejamento no solo, corridas forçadas, banhos frios com mangueira e imposição de beijarem as insígnias duma unidade militar, incrustadas no pavimento
· Houve casos de tortura moral, traduzidos em insultos, manobras de intimidação e ameaças, inclusivé com armas de fogo
· Tomou-se conhecimento de casos de coacção psicológica, com ameaça de prisão de familiares e de publicação de arranjos fotográficos
· Diversas prisões foram efectuadas com despropositado aparato bélico
· Elementos da PIDE/DGS estavam presos há mais de dois anos, sem julgamento
· Os períodos de incomunicabilidade e isolamento dependeram do arbítrio de entidades militares, tendo alguns detidos sofrido períodos desse regime que chegaram a atingir cinco meses. Esse regime incluía a privação de exercício físico e o impedimento de contactar com advogado ou defensor.
· Houve casos de graves deficiências de assistência médica, de deficiente assistência religiosa, de privação de correspondência e de artigos de higiene e de supressão arbitrária de visitas
· No regimento de Polícia Militar chegaram a permanecer, em autêntica promiscuidade, 60 detidos em espaço apenas suficiente para um máximo de oito.
· Assistiu-se a uma generalizada demissão de funções, a todos os níveis, com um Executivo incapaz de administrar e pronto a acolher todo o tipo de exigências, mesmo as mais demagógicas
· Foi notória a falta de estruturas com capacidade de resposta para os problemas novos que surgiram
-O 11 de MARÇO de 1975 e o MINI BALEADO
Este episódio omisso é daqueles indesmentíveis na sua substância, porque foi filmado por uma equipa de televisão a trabalhar para uma cadeia estrangeira (salvo erro, francesa) que estava nas proximidades da porta de armas do então RAL 1* durante os acontecimentos. Este filme, que só anos depois passou em Portugal, mostra um Mini com dois ocupantes (um condutor e uma acompanhante) que abranda e pára perante uma barricada montada por militares diante do quartel. Não se percebe o que se terá passado enquanto o carro esteve parado, há várias versões sobre a troca de palavras…
As imagens de maior impacto surgem depois de fazerem sinal ao Mini para prosseguir, quando, à medida que o carro se afastava se começam a ouvir tiros esparsos até que o Mini acaba por parar. As câmaras aproximam-se dele e vê-se os dois ocupantes cobertos de sangue enquanto ainda se consegue ouvir da assistência um desagradabilíssimo " Estes já não fazem mal a ninguém…" Essas imagens, de origem estrangeira mas referentes a um importante acontecimento passado em Portugal, permaneceram por anos desconhecidas dos portugueses, num Portugal que se orgulhava do fim da censura e da liberdade da informação…
Portugal assistiu a uma «intentona» para pôr fim aos excessos revolucionários. Tropas pára-quedistas atacam o Regimento de Artilharia de Lisboa, mas são derrotadas pelo COPCON. Acontecem as nacionalizações e as prisões voltam a encher-se.
Paulo Tavares
Portugal estava ao rubro em Março de 1975. A «Revolução dos Cravos» tinha acontecido em Abril do ano anterior, pondo fim a um regime autofágico, e o regresso da liberdade punha a direita e a esquerda em rota de colisão. Na manhã desse já longínquo dia, e por instigação do então general Spínola, pára-quedistas de Tancos atacam o Regimento de Artilharia de Lisboa, bem como o aeroporto.
- 25 de NOVEMBRO DE 1975
Na sequência dos acontecimentos do 25 de Novembro, terão sido presos 160 indivíduos, dos quais 15 civis. Em comparação com o que ocorreu na sequência do 28 de Setembro e do 11 de Março, a comissão assinala alguns aspectos positivos: a presteza no início dos processos; a libertação progressiva dos presos; o cometimento à entidade adequada das averiguações para apuramento das responsabilidades individuais.
Os regimentos
no Regimento de Polícia Militar (RPM)
A comissão recolheu queixas de 17 pessoas sobre arbitrariedades cometidas por militares do RPM.
Um civil, preso em Outubro de 1975, por suspeita de ter colaborado na agressão ou tentativa de roubo a um furriel, queixa-se de "ter sido espancado ao longo de cinco dias, com o que lhe provocaram feridas diversas" e de "ter sido obrigado a dar duas voltas à parada, a rastejar, nu, a beijar as botas dos militares e o emblema do regimento". "Mais refere tentativas de sevícias sexuais, ameaças de morte com uma pistola e de lançamento por uma janela". A um militar, preso na mesma altura, por denúncia de uma prostituta que o acusava de ser chefe de uma quadrilha de ladrões, "ameaçaram-no de irem buscar o filho, de oito anos de idade, e de o agredirem na presença dele até confessar os crimes praticados". Os militares ouvidos sublinharam que "no RPM reinava um ambiente de generalizada indisciplina, mesmo anarquia". Um caso de tortura por espancamento resultou em internamento hospitalar por 14 dias, com perda de conhecimento durante dois dias.
Regimento de Artilharia de Lisboa (RALIS)
A Comissão recolheu queixas de 11 pessoas, que formam a parte mais brutal do relatório.
José Jaime Coelho, ex-fuzileiro, foi "sequestrado" a 15 de Maio de 1975 por vários militares do Ralis e um civil, tendo sido levado, de olhos vendados, para uma casa particular, no Restelo, onde "foi interrogado e maltratado". O interrogatório incidia sobre actividades relativas a um eventual golpe de Estado. "foi atado de pés e mãos, agredido por várias formas até ao ponto de desmaiar, sofreu tortura psíquica por saber que a sua mulher também estava presa, ouvir os seus gritos e assistir a actos indecorosos contra ela". Foi levado ainda para outra casa na zona de Sintra, onde "fizeram-lhe suportar nos olhos a incidência de raios infra-vermelhos", enfiaram-lhe um balde na cabeça, ameaçaram-no de morte e torturam-no em posição de estátua. Depois de ter passado pelos hospitais de Santa Maria e de Caxias, ficou preso em Caxias. Esteve três meses em regime de incomunicabilidade.
A sua mulher, Maria Natércia Coelho da Silva, foi levada do hotel onde estava, a 15 de Maio de 1975, por seis ou sete indivíduos de camuflado. Foi levada à presença do marido na casa do Restelo, amarraram-na de pés e mãos e deram-lhe comprimentos. "quando acordou tornaram-lhe a bater, durante toda a noite, não a deixando dormir; cerca das 11 horas do dia seguinte, deram-lhe a beber um líquido de cor branca, de sabor muito amargo e foi levada à presença do marido, o qual estava deitado sobre uma mesa, sem dar acordo de si, com os olhos negros a espumar, pela boca, um líquido negro; não se recordo do que lhe aconteceu a seguir, até cerca das 15 horas, altura em que um indivíduo a agarrou e levou de rastos para outro quarto tornando-lhe a bater; foi levada pouco depois para outra sala, onde ficou sozinha com outro indivíduo que a ameaçou, lhe bateu, a mordeu e a tentou violar (...) mais tarde apareceram duas raparigas que lhe bateram, a morderam e não permitiram que dormisse". A 17 de Maio foi levada para o Ralis e no dia seguinte conduzida para a estação de Santa Apolónia.
O alferes Marcelino da Mata "foi torturado com choques eléctricos nos ouvidos, sexo e nariz, de que resultou ter desmaiado".
O aspirante José António Cardoso Veloso e o seu pai, o juiz conselheiro do Supremo Tribunal Administrativo, Francisco José de Sousa Veloso, foram presos a 18 de Maio de 1975. Foram levados para o Ralis, onde o juiz "foi sujeito a interrogatórios e maus tratos e onde o seu filho foi torturado e seviciado". Pretendiam que confessassem fazer parte de uma "rede contra-revolucionária que preparava um golpe contra o regime". A descrição da tortura ao aspirante é feita pelo pai: "Voltado para a parede, com os braços ao alto, foi espancado com bofetadas, murros e chicotadas com cinturão, pontapés nas pernas e tornozelos, batimentos contra a parede, umas vezes com a cabeça outras com o corpo todo; foi obrigado a rastejar, fizeram-lhe torções de braços atrás das costas e pressões e apertões em pontos dolorosos; por duas ou três vezes simularam estrangulá-lo, apertando-lhe o pescoço com as mãos até não poder respirar e ficar cianusado; apontaram-lhe uma pistola à nuca e às têmporas; deitado de barriga para baixo, dobraram-lhe as pernas para trás na máxima extensão possível e ligaram-lhe com uma corda o pescoço, as mãos e os pés, ficando estes quase junto da nuca o que o obrigava a arquear o corpo e levantar a cabeça para não se estrangular a si próprio (...) foi picado com uma navalha em várias partes do corpo e apertaram-lhe violentamente os testículos com a mãos, duas ou três vezes".
A Comissão conclui que os sequestros de Coelho da Silva e mulher foram "levados a efeito por instigação de militantes do MRPP, civis e militares, os quais também nelas tomaram parte, denunciando Coelho da Silva como elemento do ELP [Exército de Libertação de Portugal] e empenhado em actividades clandestinas".
Algumas Conclusões
Foram praticados dois crimes de cárcere privado, acompanhados de tortura e violenta agressão física, imputáveis a civis e militares
· Houve centenas de prisões arbitrárias, sendo de destacar as efectuadas na sequência do 28 de Setembro e do 11 de Março e as desencadeadas, com cariz diferente, a partir do regimento de Polícia Militar
· Algumas dessas prisões resultaram de denúncias anónimas, outras de informação ou indicação de organizações partidárias ou sindicais e muitas de solicitações verbais, até telefónicas, designadamente do Gabinete do primeiro-ministro, do Ministério do Trabalho, do SDCI, do Serviço de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS e Legião Portuguesa, da comissão "ad hoc" para o 28 de Setembro, da comissão de inquérito ao 11 de Março, do gabinete do Almirante Rosa Coutinho.
· Em muitos casos não foram utilizados mandados de captura
· Os mandados de captura e de busca emitidos pelo COPCON eram, na generalidade, assinados em branco
· Houve casos de detenções por longos períodos de tempo sem que tivesse chegado a ser organizado qualquer processo, permanecendo os detidos em estado de completo abandono e esquecimento
· Muitos interrogatórios foram executados por militares sem preparação técnica ou mesmo por civis introduzidos por organizações políticas
· Houve tortura sistemática, exercida sobre quatro indivíduos, no Ralis, com agressão física violenta, que lhes provocou traumatismos diversos
· Houve outros caos de tortura física esporádica, designadamente no Regimento de Polícia Militar
· Houve muitos casos de maus tratos físicos exercidos sobre presos, que se traduziram em espancamentos, por vezes praticados por vários agressores actuando em simultâneo
· Foram exercidas sevícias sistemáticas sobre presos, com o fim de os humilhar e lhes infligir castigos corporais, traduzidos em agressões, rastejamento no solo, corridas forçadas, banhos frios com mangueira e imposição de beijarem as insígnias duma unidade militar, incrustadas no pavimento
· Houve casos de tortura moral, traduzidos em insultos, manobras de intimidação e ameaças, inclusivé com armas de fogo
· Tomou-se conhecimento de casos de coacção psicológica, com ameaça de prisão de familiares e de publicação de arranjos fotográficos
· Diversas prisões foram efectuadas com despropositado aparato bélico
· Elementos da PIDE/DGS estavam presos há mais de dois anos, sem julgamento
· Os períodos de incomunicabilidade e isolamento dependeram do arbítrio de entidades militares, tendo alguns detidos sofrido períodos desse regime que chegaram a atingir cinco meses. Esse regime incluía a privação de exercício físico e o impedimento de contactar com advogado ou defensor.
· Houve casos de graves deficiências de assistência médica, de deficiente assistência religiosa, de privação de correspondência e de artigos de higiene e de supressão arbitrária de visitas
· No regimento de Polícia Militar chegaram a permanecer, em autêntica promiscuidade, 60 detidos em espaço apenas suficiente para um máximo de oito.
· Assistiu-se a uma generalizada demissão de funções, a todos os níveis, com um Executivo incapaz de administrar e pronto a acolher todo o tipo de exigências, mesmo as mais demagógicas
· Foi notória a falta de estruturas com capacidade de resposta para os problemas novos que surgiram
-O 11 de MARÇO de 1975 e o MINI BALEADO
Este episódio omisso é daqueles indesmentíveis na sua substância, porque foi filmado por uma equipa de televisão a trabalhar para uma cadeia estrangeira (salvo erro, francesa) que estava nas proximidades da porta de armas do então RAL 1* durante os acontecimentos. Este filme, que só anos depois passou em Portugal, mostra um Mini com dois ocupantes (um condutor e uma acompanhante) que abranda e pára perante uma barricada montada por militares diante do quartel. Não se percebe o que se terá passado enquanto o carro esteve parado, há várias versões sobre a troca de palavras…
As imagens de maior impacto surgem depois de fazerem sinal ao Mini para prosseguir, quando, à medida que o carro se afastava se começam a ouvir tiros esparsos até que o Mini acaba por parar. As câmaras aproximam-se dele e vê-se os dois ocupantes cobertos de sangue enquanto ainda se consegue ouvir da assistência um desagradabilíssimo " Estes já não fazem mal a ninguém…" Essas imagens, de origem estrangeira mas referentes a um importante acontecimento passado em Portugal, permaneceram por anos desconhecidas dos portugueses, num Portugal que se orgulhava do fim da censura e da liberdade da informação…
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