sexta-feira, março 27, 2009

Perfil do Incendiário

"É do sexo masculino, relativamente jovem, solteiro e sem encargos familiares. De baixo estrato social e económico, tem um nível de instrução rudimentar. É natural e residente na área onde comete o crime. Actua só, durante o dia, utiliza meios banais. Confessa o delito e o modus operandi. Não tem antecedentes criminais".
Perfil do incendiário florestal, desenhado em 1982 pela Polícia Judiciária.

"Esses traços servem para caracterizar 75 por cento da população prisional em Portugal, não individualizam o incendiário" — sustenta Rui Abrunhosa, investigador na área da psicologia da justiça.
O fogo tem duas caras, lembrou Bachelard, o bem e o mal à uma, rostos do logos que Heraclito de Éfeso escavou, para nele dar primazia ao fogo. A culpa aponta dedo acusador a Prometeu, que um dia, no Olimpo, roubou um pouco de fogo do sol para dar vida aos homens. Alguns destes expiam penas no purgatório das prisões lusas. Têm todos o mesmo rosto "oficial" — esculpido na tocha que os políticos agitam Verão sim, Verão sim: cara de monstro, costas grandes o bastante para suportarem o peso do braseiro que é hoje a imagem de marca da estação pateta; manápulas indecentes, longa manus que leva o fósforo ao pinheiro mais recôndito, impedindo criminosamente que ele — o pinheiro — um dia seja árvore de Natal.
Descemos às prisões, dando-lhes, aos incendiários, liberdade de traçarem o seu perfil em discurso directo.